sábado, 12 de fevereiro de 2011

Partidos Comunistas

As Seis Características Fundamentais de um Partido Comunista
Álvaro Cunhal
15 de Setembro de 2001

Intervenção enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi , em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".
Fonte: Portal Vermelho.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, fevereiro 2008.

O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.

O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.

Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objectivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.

Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objectivos e da sua acção.

Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites .

Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis , tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.

Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.

1ª - Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.

Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria acção, nos próprios objectivos, na própria ideologia.

A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.

2ª - Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos .

Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.

Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.

A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutral na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.

3ª - Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direcção central.

A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho colectivo, direcção colectiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e acção política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direcção central e de todas as organizações.

A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido actua.

Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.

4ª - Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.

Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e acção dos partidos comunistas.

Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena actualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países.

5ª - Ser um partido que define, como seu objectivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.

Este objectivo tem também plena actualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objectivo dos partidos comunistas .

6ª - Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.

Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialéctica, criativa , que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenómenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.

Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.

Deve-se a Lénine, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.

Extraordinário valor têm estes desenvolvimentos da teoria. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.

Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lénine indica “as três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”.

Na filosofia, o materialismo-dialéctico, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.

Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.

Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.

Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.

Daí o carácter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.

É de esperar que o Encontro Internacional na Fundação Rodney Arismendi de Setembro do ano corrente dê uma contribuição positiva para que este objectivo seja alcançado.

Do blogue "O Castendo"
As seis características fundamentais de um partido comunista (I)
    Intervenção de Álvaro Cunhal enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi, em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição. O Encontro abordou três grandes temas: "Una concepción y un método para enfrentar los desafíos del nuevo milenio"; "Democracia, democracia avanzada y socialismo"; "Por la unidad de la izquierda a la conquista del gobierno".

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O século XX fica assinalado para sempre pela revolução russa de 1917, pelo poder político do proletariado e pela construção duradoura, a primeira vez na história, de uma sociedade sem exploradores nem explorados.
Tinham-se registado anteriormente insubordinações, rebeliões e revoltas. Dos escravos, dos servos da gleba, das classes exploradas e oprimidas. Mas em nenhum caso essas lutas tinham o objectivo (ou sequer a admissão da possibilidade) de construir uma sociedade nova libertadora.
A falsidade da historiografia oficial, as caluniosas e gigantescas campanhas anticomunistas e o renegar do próprio passado por alguns, tornam necessário aos comunistas lembrar o que foi e significou a revolução russa de 1917 e a construção da União Soviética. Lembrar e justificar a afirmação de que se trata do principal acontecimento histórico do século XX e um dos mais assinaláveis na história da humanidade.
Lembrar também que, antecedente próximo da revolução russa, na Comuna de Paris de 1871, o proletariado tomou o poder e, dando prova de um heroísmo de massas, iniciou a construção de uma nova sociedade.
Lembrar que, em Paris, capital de França, durante 102 dias a bandeira vermelha da classe operária flutuou hasteada no município. Lembrar o assalto dos exércitos reaccionários, a monstruosa repressão, o massacre de 30 000 parisienses, um total de 100 000 assassinatos, execuções, condenações a trabalhos forçados.
Mas sublinhar sempre que, vencida a Comuna de Paris, não o foi o curso da nova história da humanidade que ela iniciou, por ter sido como que a alvorada anunciadora da revolução russa de 1917 que iniciou de facto o caminho de um novo sistema social, sem precedentes na história. Muitos esquecem que, ao longo de mais de meio século, esse sistema ganhou terreno como alternativa ao sistema capitalista. São acontecimentos que ficarão para sempre como referências e valores da humanidade na luta pela sua própria libertação.
A edificação do novo Estado, traduzida na consigna “todo o poder aos sovietes de operários, camponeses e soldados”, significou a instauração do poder popular e um elemento-base do Estado e de uma democracia “mil vezes mais democrática que a mais democrática das democracias burguesas”.
No plano económico, a partir do controle operário, as terras, as fábricas, as minas, os transportes ferroviários, os bancos, passaram a pertencer ao Estado de todo o povo, determinando um fulgurante desenvolvimento.
A par das empresas do Estado, realizou-se uma profunda transformação da agricultura, com a colectivização agrícola, na qualsovkozes (unidades do Estado) e o movimento colkoziano de massas (cooperativas) desempenharam papel determinante.
No plano social, foram assegurados os direitos à habitação, à assistência médica e ao ensino. Foi reconhecida de facto a igualdade de direitos às mulheres. Foram libertadas do domínio dos grandes senhores as instituições culturais.
A União Soviética alcançou grandes descobertas e avanços na ciência e nas novas e revolucionárias tecnologias, que lhe permitiram, a par do desenvolvimento económico e social, atingir um potencial militar que, durante décadas, manteve em respeito a política agressiva do capitalismo. Ter sido um soviético o primeiro ser humano a libertar-se da gravidade terrestre e a voar no espaço ilustra este êxito espectacular.
É também necessário que não se esqueça a contribuição que a União Soviética deu para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo, para novas revoluções socialistas, para a conquista de direitos fundamentais pelos trabalhadores nos países capitalistas, para o desenvolvimento do movimento nacional libertador e para, ao preço de 20 milhões de vidas (na acção dos exércitos, em campos de concentração, em gigantescos massacres de populações indefesas), derrotar a Alemanha hitleriana na 2ª Guerra Mundial, dando contribuição decisiva para salvar o mundo da barbárie fascista.
Não bastam porém a exposição objectiva e valorativa destas realidades. É indispensável, ao mesmo tempo, proceder a uma análise crítica e autocrítica de aspectos, factos e fenómenos negativos registados.
É uma verdade elementar que a derrocada da União Soviética e de outros países socialistas resultou de uma série de circunstâncias externas e internas. Não de igual influência. Pesaram com relevo factores de ordem interna. O facto é que, na construção da nova sociedade, se verificou um afastamento dos ideais e princípios do comunismo, a progressiva degradação da política do Estado e do partido, em resumo, a criação de um “modelo” que, com a traição de Gorbachov, conduziu à derrota e à derrocada.
O “modelo”, que se foi criando, traduziu-se num poder fortemente centralizado e burocratizado, numa concepção administrativa de decisões políticas, na intolerância ante a diversidade de opiniões e ante críticas ao poder, no uso e abuso de métodos repressivos, na cristalização e dogmatização da teoria.
Comprometido o poder político da classe operária e das massas trabalhadoras. Comprometida a nova democracia. Comprometido o desenvolvimento económico que, assente na militância e vontade do povo, alcançou um ritmo vertiginoso nas primeiras décadas do poder soviético. Comprometido o carácter dialéctico, criativo, criador, da teoria revolucionária, que tem necessariamente de responder às mudanças das realidades e às experiências da prática.
O exame, tanto das históricas realizações como destes funestos acontecimentos, assim como das experiências do movimento comunista internacional, coloca aos partidos comunistas a necessidade de uma redefinição da sociedade socialista seu objectivo e um dos elementos básicos da sua identidade.
Embora contido pelo campo socialista e pelo avanço do processo revolucionário mundial até às últimas décadas do século XX, o capitalismo registou um desenvolvimento que o levou a atingir, no fim do século, a supremacia em termos mundiais.
Dois factores determinaram esta situação.
Por um lado, o desaparecimento da União Soviética e outros países socialistas, o enfraquecimento do movimento comunista internacional e do movimento nacional de libertação, a regressão de processos revolucionários.
Por outro lado, o desenvolvimento do capitalismo nas esferas da produção, da ciência, da investigação científica, das tecnologias revolucionárias e da força militar.
Daqui resultou no findar do século XX, uma alteração da correlação de forças que permitiu ao imperialismo lançar uma gigantesca ofensiva visando alcançar o domínio absoluto em todo o planeta.
Em mais de três quartos do século XX, a tendência geral da evolução foi o avanço do socialismo e da luta libertadora dos povos.
Uma inversão dessa tendência dá-se nas últimas décadas do século. A alteração da correlação de forças, tornou possível ao capitalismo desencadear uma ofensiva “global”.


2
  
A ofensiva imperialista actualmente em curso tem, como objectivo declarado e anunciado, a imposição em todo o mundo do domínio absoluto do capitalismo como sistema único, universal e final.
É esse o significado fundamental da teoria da chamada “globalização”.
Trata-se do maior perigo e da mais sinistra ameaça que defronta a humanidade em toda a sua história.
É certo que alguns aspectos e elementos do desenvolvimento objectivo do capitalismo, tendendo à “mundialização”, se vinham já verificando. Tal o caso da internacionalização dos processos produtivos, das relações económicas e financeiras, da informação e comunicação social, da criação de zonas de integração económica.
É também certo que o imperialismo, na luta “pela divisão do mundo”, tinha já como armas intervenções militares, agressões e guerras.
A ofensiva “global” do imperialismo é porém coisa diferente.
Tendo os Estados Unidos como força fundamental hegemonizante, a actual ofensiva desenvolve-se em todas as frentes.
São instrumentos da ofensiva económica a criação de gigantescos grupos de empresas transnacionais, órgãos diversos com acrescidos poderes de imposição “legal” de regras e políticas (FMI, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial), apossamento dos recursos e sectores estratégicos dos países mais fracos, cortes de créditos, políticas económicas decididas por órgãos supranacionais a estados membros de uniões de carácter federativo, medidas de estrangulamento financeiro e bloqueios económicos visando forçar à rendição países que se oponham à ofensiva.
Zonas de integração económica tornam-se zonas de integração política, com órgãos supranacionais, ministros supranacionais, submissão efectiva dos mais pobres e menos desenvolvidos aos mais ricos e poderosos.
Este processo agudiza muitas das contradições do capitalismo. Tem, como seu elemento, o alargamento, mesmo em países capitalistas desenvolvidos, de áreas sociais vivendo numa extrema miséria e, em países subdesenvolvidos, povos inteiros com milhões de habitantes morrendo de fome.
Agudiza-se simultaneamente a concorrência, e gera-se a possibilidade de graves conflitos, entre os gigantescos pólos económico-políticos e entre os países mais ricos e poderosos. Entretanto (e esse é um traço novo distintivo) todos se integram na ofensiva “global”.
Significativo dos grandes projectos e planos é a Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Segundo esse projecto, os grandes potentados económicos e financeiros associados poderiam, com o apoio militar necessário, impor, país por país, as formas de exploração, o apossamento dos sectores vitais da economia, o destino dos capitais investidos e criados e ainda a obrigação dos governos fantoches de, com medidas repressivas eficientes, esmagarem eventuais lutas e revoltas dos trabalhadores e dos povos respectivos.
O AMI é como que o projecto de uma carta constitucional do imperialismo na sua ofensiva económica e política “global”.
É sabido que o conhecimento desse projecto, elaborado sob a égide dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha, provocou tão vasta reacção e indignação que foi retirado da consideração imediata. Mas o facto é que foi guardado para consideração ulterior.
A par, e por vezes como instrumento directo da ofensiva económica (estreitamente ligada à acção política e diplomática) a ofensiva militar tem como instrumentos a dominante superioridade em armamentos, nomeadamente dos Estados Unidos, e a NATO como força autónoma supranacional, mas também dominada e comandada efectivamente pelos Estados Unidos.
A ofensiva militar traduz-se em ultimatos, bombardeamentos, intervenções armadas, municiamento e fomento de forças rebeldes contra governos democráticos, intervenções para impor governos tirânicos e governos fantoches, agressões e guerras contra países que se opõem corajosamente ao domínio dos Estados Unidos e de outros países imperialistas, atentados de organizações terroristas e acções militares de terrorismo de Estado.
Acresce a monstruosa institucionalização de um tribunal político internacional comandado pelo imperialismo para julgar e condenar até à prisão perpétua destacados defensores dos seus povos e países.
E ainda a gigantesca poluição da atmosfera, de rios e oceanos pelos países mais desenvolvidos e a rapina e destruição de recursos naturais de países atrasados, que têm como consequência a destruição do equilíbrio ecológico em vastas regiões do globo.
Todos estes aspectos da ofensiva atingem um nível nunca antes atingido e fazem parte do processo de integração mundial das forças do imperialismo na sua ofensiva “global”.
Como perspectiva, o imperialismo proclama imparável e irreversível a ofensiva e anuncia, a título definitivo, a estabilidade e a estabilização final do sistema. No plano ideológico anuncia a universalização do pensamento, o fim das ideologias e o “pensamento único”.
Mas a ofensiva não é imparável e irreversível. E com aquelas noções, espalhadas pela propaganda, o imperialismo procura afinal enganar-se a si próprio. Ou seja: o seu objectivo declarado, de louca ambição, constitui a actual utopia do capitalismo.
Utopia porque, por um lado, o capitalismo, pela sua própria natureza, está roído por contradições e problemas que não consegue ultrapassar. Porque, por outro lado, existem forças que se opõem, que resistem e que, reforçando-se, podem impedir que o imperialismo alcance tal objectivo.
São elas:
a) Os países que, com os comunistas no poder, insistem no objectivo de construir uma sociedade socialista, embora por caminhos muito diferenciados.
b) O movimento operário, nomeadamente o movimento sindical.
c) Os partidos comunistas e outros partidos revolucionários, lutando com confiança e coragem.
d) A resistência potencial de países capitalistas actualmente dominados e explorados pelo imperialismo, com perda efectiva da sua independência nacional.
e) Novos movimentos nacional-libertadores.
f) Movimentos em defesa do meio ambiente, contra o poder e as decisões dos países mais ricos e directamente contra a “globalização”.
Estas são as forças fundamentais para impedir o domínio do imperialismo em todo o mundo. Mas não basta a consciência disso. É indispensável uma actuação correspondente. É necessário reforçá-las e lutar para que coincidam e convirjam.
Tal é o único caminho para travar, dificultar, impedir o avanço da ofensiva do imperialismo e para criar condições que acabem por derrotá-la e por determinar uma viragem na situação internacional.
De lembrar ainda que o imperialismo não se limita ao ataque frontal nas suas várias frentes. Procura activamente dividir as forças que lhe resistem, miná-las por dentro, conduzi-las a desistirem da luta, à autodestruição e ao suicídio.
Em alguns casos tem-no conseguido. Mas, em muitos outros, verifica-se o seu reforço, revitalização, crescente influência e iniciativa.
Importante é difundir, sublinhar, valorizar os exemplos que confirmam esta apreciação.


3
  
O objectivo da construção de uma sociedade socialista de forma alguma impede, antes implica, que um partido comunista tenhasoluções e objectivos a curto e médio prazo que proponha como alternativa à situação existente.
Atenção porém. Uma análise da situação e a definição de uma política têm de partir de realidades básicas do capitalismo, a que correspondem conceitos fundamentais da teoria revolucionária do proletariado:
— a divisão da sociedade em classes, umas que exploram, outras que são exploradas;
— a luta de classes;
— a política de classe dos governos.
Trata-se de realidades e de conceitos. A sua descoberta não se deve a Marx e Engels mas a economistas e filósofos anteriores. O que é novo no marxismo é a análise das situações económicas e políticas concretas tendo na base esses conceitos.
É certo que, em situações pré-revolucionárias e noutras em que se criou um temporário equilíbrio das forças de classe, o poder político, fortemente condicionado, pode conjunturalmente não conduzir uma política ao serviço do capital. Pode mesmo realizar medidas progressistas de carácter anti-capitalista. São porém situações excepcionais e de pouca duração.
Não é o caso de países capitalistas de democracia burguesa. Nesses, o poder político falseia as quatro vertentes da democracia.
A económica – pela propriedade dos sectores básicos da economia pelo grande capital e a submissão do poder político ao poder económico.
A social – pela exploração e a miséria dos trabalhadores e das massas populares e a concentração da riqueza num número limitado de gigantescas fortunas.
A cultural – pela propaganda da ideologia do grande capital, por um sistema de ensino discriminatório para os filhos das classes trabalhadoras, pela propaganda de ideias obscurantistas, pelos atentados à criatividade artística, pela multiplicação de seitas religiosas.
A política – pelo abuso e absolutização do poder e a liquidação dos órgãos e mecanismos de fiscalização democrática do seu exercício, pela alteração inconstitucional da legalidade e das competências dos órgãos de soberania quando as leis em vigor se revelam insuficientes para o exercício absoluto do poder do grande capital.
E toda esta degradação se desenvolve com os pretextos da necessária “estabilidade” e do “Estado de direito”.
A degradação da democracia política – trazendo consigo os espectaculares e teatrais conflitos de chicana parlamentar, o carreirismo, a impunidade e a corrupção – provoca o descrédito da política e dos políticos.
Entretanto, a política é uma actividade necessária e os comunistas e outros verdadeiros democratas são diferentes e melhores na prática política e distinguem-se da chamada “classe política” desacreditada.
Os poderosos meios de comunicação social (jornais, revistas, rádios, televisão, audiovisuais), propriedade e instrumento de grandes grupos monopolistas, não constituem um novo poder independente, como alguns pretendem, mas um instrumento do grande capital na sua ligação dominante com os governos.
Sendo a luta pela democracia um dos objectivos centrais da acção de um partido comunista é indispensável definir quais são os elementos fundamentais dessa democracia.
De um governo é de exigir a simultaneidade e complementaridade das suas vertentes fundamentais. Não basta que um governo se afirme democrático. É necessário que de facto o seja.
É, ao mesmo tempo, necessário definir-se mais concretamente, em cada situação concreta, a democracia pela qual se luta. Numa situação dada, num momento dado, pode, por exemplo, a luta pela democracia dar grande relevo à luta pelo reforço dos elementos de democracia directa e participativa a par da democracia representativa.
As eleições são um dos elementos-base de um regime democrático, mas só assim podem ser consideradas se respeitam a igualdade e se são impedidos os abuso do poder, as discriminações e exclusões. Se estas condições não são conseguidas, as eleições tornam-se uma fraude, um grave atentado à democracia e um instrumento da monopolização do poder, por vezes em alternância, pelas forças políticas ao serviço do capital.
Uma “democracia avançada”, pela qual lutam alguns partidos, é definida como um regime democrático que proceda a realizações progressistas de carácter não capitalista (como a nacionalização de alguns sectores da economia e a liquidação da propriedade latifundiária).
Seja desta forma ou de outra, definidos os objectivos da luta pela democracia num momento dado, os comunistas não podem estar, não querem estar e não estão isolados.
A compreensão da luta de classes, realidade omnipresente na sociedade como motor da evolução histórica, não contraria nem exclui a necessidade de alianças sociais e políticas da classe operária, dos trabalhadores e do seu partido com objectivos concretos imediatos, tendo em conta que a arrumação e correlação das forças políticas assenta na relação e correlação das classes e estratos sociais. A definição correcta de quais podem ser essas alianças exige, primeiro, o apuramento no concreto das alianças sociais objectivamente consideradas, depois, a definição, quando possível, da representatividade de tais ou tais classe e estratos sociais por tais ou tais partidos e da base social de apoio com que estes contam.
Não existem situações iguais. Pode haver, em tais ou tais países, situações económicas, sociais e políticas semelhantes. Há porém sempre diferenças que exigem respostas diferentes. Não há soluções nem “receitas” universais. A cópia de soluções conduz a orientações que não correspondem às exigências da realidade concreta.
Grandes descobertas científicas e tecnologias revolucionárias estão provocando mudanças profundas na composição das classes trabalhadoras e na própria composição social da sociedade nos países desenvolvidos. Neles torna-se particularmente complexa a definição das alianças sociais – base das alianças políticas.
Há, a este respeito, definições muito pouco claras.
No quadro da política de alianças, em numerosos países de democracia burguesa, partidos democráticos, nomeadamente partidos comunistas, têm definido, como seu objectivo, uma política denominada de “esquerda”.
Há casos em que, na orientação desses partidos, esta palavra “esquerda” exclui o apoio ou comparticipação numa política de “direita”. Tem então um significado claro e positivo.
Entretanto, na generalidade dos países, a palavra “esquerda”, no dicionário político contemporâneo, tem um significado impreciso, cheio de incógnitas, contraditório, objectivamente confusionista. Ao definirem-se partidos da “esquerda” ou sectores de “esquerda”, incluem-se com frequência nesse número, além de partidos da “extrema-esquerda” anticomunistas, partidos socialistas e social-democratas que, na sua acção política, defendem e praticam uma política de “direita”.
O mesmo em relação a governos intitulados de “esquerda” ou “da esquerda”. As experiências mostram que, em alguns casos, a participação comunista em governos de partidos socialistas ou social-democratas, tidos como sendo a “esquerda”, significa a comparticipação na realização de políticas de “direita”.
Que se defina como objectivo uma política democrática nas suas quatro vertentes, que se lute por ela e que não se proclame uma política que inclua a participação (ou o objectivo de alcançá-la) em governos como são na actualidade muitos governos que, intitulando-se “de esquerda”, são instrumentos do grande capital, das transnacionais, dos países mais ricos e poderosos, da actual ofensiva “global” do imperialismo visando impor o seu domínio em todo o planeta.
É também o caso dos chamados “pactos de estabilidade” assinados por partidos e organizações sindicais reformistas, que sacrificam direitos fundamentais dos trabalhadores à intenção de superar a actual crise do capitalismo.
Não é esse o caminho que a luta dos trabalhadores, dos povos e nações actualmente exige.
O caminho necessário cabe aos partidos comunistas (e outros partidos revolucionários) defini-lo nas condições concretas dos seus países. Com convicções, com coragem e com a sua identidade comunista.



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O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.
O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.
Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objectivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.
Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objectivos e da sua acção.
Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites.
Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis, tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.
Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.
  
1ª - Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.
Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria acção, nos próprios objectivos, na própria ideologia.
A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.
  
2ª - Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos.
Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.
Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.
A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutral na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.
  
3ª - Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direcção central.
A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho colectivo, direcção colectiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e acção política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direcção central e de todas as organizações.
A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido actua.
Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.
  
4ª - Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.
Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e acção dos partidos comunistas.
Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena actualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países.
  
5ª - Ser um partido que define, como seu objectivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.
Este objectivo tem também plena actualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objectivo dos partidos comunistas.
   
6ª - Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.
Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialéctica, criativa, que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenómenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.
Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.
Deve-se a Lénine, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.
Extraordinário valor têm estes desenvolvimentos da teoria. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.
Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lénine indica “as três fontes e  as três partes constitutivas do marxismo”.
Na filosofia, o materialismo-dialéctico, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.
Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.
Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.
 
Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.
Daí o carácter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.
É de esperar que o Encontro Internacional na Fundação Rodney Arismendi de Setembro do ano corrente dê uma contribuição positiva para que este objectivo seja alcançado.
  




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