sábado, 5 de fevereiro de 2011

Guerra Colonial (3)

Estes 3 textos foram retirados de http://www.agencia.ecclesia.pt


Paulo VI: Rezar por todos em tempo de guerra

João Miguel Almeida, historiador

No avião que levava pela primeira vez um Papa a visitar o Santuário de Fátima, em 1967, um jornalista do diário comunistaPaese Sera perguntou-lhe: «Santo Padre, rezará também pelos povos oprimidos de Angola e Moçambique?» «Por todos», respondeu Paulo VI.
Este diálogo, relatado pelo Le Figaro e reproduzido no jornal católico clandestino Direito à Informação, passa despercebido num dos momentos mais delicados nas relações entre o Estado português e o Vaticano, crispadas pela guerra colonial.
As cautelas tomadas por Paulo VI na visita - aterra em Monte Real sem passar em Lisboa, aloja-se na diocese de Leiria em vez de ser hospedado pelo Governo, reza pela paz no mundo, em especial no Vietname - não impedem o episódio de ser visto como um triunfo diplomático do Estado Novo. Alguns opositores católicos ao regime afastar-se-ão mesmo da Igreja.
A tensão entre o Estado português e o Vaticano não provinha apenas do facto da questão colonial portuguesa ter levado alguns católicos a oporem-se ao regime, incluindo membros do clero. A intenção de aggiornamento da Igreja Católica levava-a a ver, além do nacionalismo de uma ditadura que resistia orgulhosamente só, a esperança de novas gerações, africanas e europeias, e de novas dinâmicas da política internacional.
Em Dezembro de 1960 o padre Joaquim Pinto de Andrade foi preso e a Assembleia-Geral da ONU aprovou, apesar da oposição do Governo português, a resolução 1542 (XV) na qual é declarado que a negação da autodeterminação, tal como a ONU a define, «constitui uma ameaça ao bem-estar da humanidade e à paz internacional».
A encíclica Pacem in Terris, publicada em Abril de 1963, teve um cunho de testamento espiritual de João XXIII. Uma das frases da encíclica era: «As pessoas de qualquer parte do mundo são hoje cidadãos de um Estado autónomo e independente ou estão para ser». A palavra «independente» é cortada na edição oficial do texto em Portugal, na União Gráfica.
A 11 de Julho de 1963, o novo Papa, Paulo VI recebe o Secretário-Geral das Nações Unidas U Thant e a 4 de Outubro desse ano discursa nas Nações Unidas, apelando à paz e ao desarmamento e advertindo contra o colonialismo, para choque do Governo português.
A viagem de Paulo VI ao Congresso Eucarístico de Bombaim, em 1964, foi um momento de alta tensão entre o Governo português e o Vaticano, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Franco Nogueira, a considerar tal viagem um «agravo gratuito, inútil e injusto a Portugal» por causa da anexação de Goa pela União Indiana.
A visita papal será censurada em Portugal, embora noticiada com êxito na imprensa clandestina. O futuro cardeal patriarca D. António Ribeiro é afastado das funções que exercia na RTP por defender o carácter missionário da visita do Papa à Índia.
A visita de Paulo VI a Fátima em 1967, que começa a ser negociada em plena crise da visita papal a Bombaim, resulta num efémero triunfo para o governo português. Mas as divergências de fundo subsistiam e serão relatadas dramaticamente pela imprensa internacional quando Paulo VI recebe, a 1 de Julho de 1970, três líderes de movimentos de libertação africanos: Marcelino dos Santos, de Moçambique, Agostinho Neto, de Angola, e Amílcar Cabral, da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Paulo VI ter-lhes-á dito «A Igreja está do lado dos países que sofrem» e oferecido a cada um exemplar, em latim e português, da encíclica Populorum Progressio.
O Governo português protesta e o secretário de Estado da Santa Sé procura minimizar o incidente sublinhando o carácter discreto do encontro e que Paulo VI nada dissera que pudesse ofender a Portugal. Estas explicações são adaptadas por Marcello Caetano, o qual chega a insinuar que Paulo VI não tivera total consciência da identidade dos seus interlocutores. E afirma na televisão: «as relações com a Igreja não chegaram a toldar-se sequer.»
Tanto os responsáveis do Estado Novo como a diplomacia vaticana viveram em estado de negação e de minimização de prejuízos de um conflito de fundo. Em Portugal subsistia penosamente um regime que se afirmara nos anos 30 sob o signo do império colonial e o colapso das democracias liberais.
A Igreja Católica enveredara por um aggiornamento com aspectos contraditórios e sujeitos a crises, mas que avançava no terreno social e político. O Estado Novo renunciou, com Marcello Caetano, à justificação do colonialismo pelo cumprimento de uma missão providencial portuguesa, mas não podia ou não queria descolonizar.
A abertura da Igreja Católica ao mundo precisava de ultrapassar uma certa visão eurocêntrica para se tornar mais presente noutros continentes. O regime via na guerra colonial uma necessidade, pois a presença portuguesa em África era oficialmente indiscutível. A Igreja Católica declarava que todos os meios deviam ser discutidos e tentados para chegar à paz, pois, segundo a fórmula do tema escolhido por Paulo VI para 1973, «A paz é possível».
João Miguel Almeida, historiador, investigador do CEHR

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