segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Manipulação "democrática"

O que se diria se Hugo Chávez alterasse a
Constituição Bolivariana sem referendo popular,
como se vai fazer no estado espanhol ?
As velhas “democracias” europeias só veem a palha no olho alheio e, se não a há, inventam-na
Anibal Garzón *

Kaos en la Red, em 27-8-2011

As velhas “democracias” europeias só veem a palha no olho alheio e, se não a há,
inventam-na.
Quando na República Bolivariana da Venezuela se realizou um referendo popular
sobre a reforma constitucional, para modificar 69 artigos de um total de 350, em que
um deles consagrava a possibilidade de o candidato a eleições populares se
apresentar as vezes que o deseje a um cargo político, incluindo o de Presidente do
Estado, as corporações mediáticas e as agendas dos estados imperialistas apelidaram
Chávez de ditador, enquanto em países europeus a reeleição de presidentes e outros
cargos não tem limite.
No estado espanhol, Felipe González esteve 14 anos (1982-1996) e não esteve mais
porque perdeu as eleições gerais contra José María Aznar. Jordi Pujol esteve 23 anos
como Presidente do governo catalão, de 1980 a 2003 – e porque não se apresentou
mais vezes. Helmut Khol foi chanceler da República Federal Alemã e, seguidamente,
da Alemanha Unificada, de 1982 a 1998, isto é, 16 anos consecutivos. François
Miterrand foi Presidente da República Francesa durante 14 anos, de 1981 a 1995.
Enquanto Chávez foi apelidado de ditador por permanecer no poder por vontade
popular, os europeus são adjetivados de democráticos com prestígio e com carisma.
Concretizando, no referendo para modificar 69 artigos da Constituição Bolivariana
ganhou o NÃO nos dois pacotes em votação e o governo venezuelano,
democraticamente, aceitou o resultado. No pacote A – 46 artigos, dos quais 33 foram
propostos por Chávez e 13 acrescentados pelos deputados – o NÃO ganhou com
50,65%, e no pacote B – 23 artigos propostos pela mesma Assembleia Nacional – o
NÃO teve 51,01%, verificando-se uma grande abstenção de 44%. Muitos chavistas,
por estarem contra alguns dos artigos, abstiveram-se de ir votar, enquanto a direita
manteve os seus votos.

A complexidade em pôr de acordo a comunidade venezuelana chavista para modificar
os 66 artigos levou à celebração de outro referendo, em 15 de fevereiro de 2009, mas
sobre uma emenda constitucional específica, onde apenas se aprovaria ou rejeitaria a
modificação dos artigos 160, 162, 174, 192 e 230, os quais definiam que se pode ser
periodicamente reeleito para qualquer cargo público indefinidamente. O resultado foi
de 54,86% a favor do SIM, com uma abstenção de 30%. As exclamações da direita
venezuelana e internacional, que, no primeiro referendo, chamavam ditador a Chávez
– embora tivessem de fechar a boca depois da vitória do NÃO e da sua aceitação pelo
governo –, voltaram a soltar as suas raivas incondicionais ao não aceitarem o
resultado do segundo referendo. Só aprovam as suas vitórias e não as do povo.
Hugo Chávez voltará a apresentar-se como candidato presidencial com a formação do
PSUV1 nas próximas eleições de dezembro de 2012 e, se se confirmar a sua vitória
para governar até 2018, os títulos mediáticos seguramente realçarão “Chávez de 1998
a 2018, um ditador agarrado duas décadas ao poder”, enquanto jamais veremos tal
afirmação referindo-se a um presidente europeu que esteja 20 anos no poder. Ou, até
mesmo, é legítimo o papel do Rei de Espanha, que não é eleito democraticamente e
recebe milhões de euros por ano dos impostos da classe trabalhadora espanhola,
numa época de plena crise e, além disso, foi imposto pelo ditador fascista e golpista
Francisco Franco, em 1969, como sucessor do chefe de estado.
Quando será posto a referendo revogatório o Rei de Espanha como Chávez o fez, em
agosto de 2004, que foi posto à prova da decisão popular e ganhou com 58,25% de
votos? Acaso a Constituição espanhola é inamovível? Parece que não.

Nestes dias confirma-se no estado espanhol uma reforma constitucional dos artigos
134, sobre a Dívida Pública, e 135, sobre os Pressupostos Gerais do Estado,
pretendendo reduzir-se o défice público em favor de novas medidas de ajuste
estrutural neoliberal e fixando-se na Constituição Espanhola que o défice não
ultrapasse 0,4% – uma medida que afetará as classes sociais mais desfavorecidas, ao
privatizarem-se alguns serviços públicos. Que a Constituição espanhola seja
modificada pelo Presidente Zapatero e os parlamentares da sua formação política, o
PSOE, juntamente com os deputados da oposição do PP, cujos dois partidos apenas
somam um total de 21 milhões de votos, segundo os dados das eleições gerais de
2008, enquanto há um total de 45 milhões de habitantes no estado espanhol – a
maioria absoluta parlamentar não é a maioria absoluta da população civil –, sem se
realizar nenhum referendo popular, parece que cria uma validade a nível
internacional como aprova a própria União Europeia, dado que é uma orientação no
sentido da privatização e dos mercados internacionais. Porém, se Chávez modificasse
a Constituição sem referendo e, além disso, com certos movimentos, para uma
economia pública, como nacionalizar entidades produtivas ou pôr barreiras à
atividade privada, tanto nacional como internacional, seria um déspota antidemocrático.

Etiquetas que estamos tão habituados a ouvir nos meios de comunicação social e
fazem com que nos pareça que a realidade social e política é tal como o poder a
constrói e não tal como é. Da mesma forma que na Líbia os armados são rebeldes,
mas, na Colômbia as FARC são terroristas; da mesma forma que o Irão é uma
ditadura, mas a Arábia Saudita é uma monarquia tradicional; ou que em Cuba há
repressão e em Espanha, Chile ou Inglaterra tentam controlar os antissociais –
Zapatero é democrata e Chávez um ditador.

Dialeticamente, as coisas são brancas ou negras, mas o poder simbólico do
capitalismo internacional decide de que cores devem ser pintadas. Só faz falta que as
lutas populares as repintem.

* Aníbal Garzón é um sociólogo catalão – participa no sítio catalão Kaos en la Red [NT]

Sem comentários:

Enviar um comentário