quinta-feira, 17 de março de 2011

Geração à rasca

Texto publicado pela autora do Blog Assobio Rebelde  http://assobiorebelde.blogspot.com/2011/03/geracao-rasca-nossa-culpa.html e que anda a circular na Net como sendo de Mia Couto.


Este texto provocou muitos comentários, feitos com análises diferenciadas, uns interessantes outros nem por isso.
Escolhi alguns ou partes de alguns (escolha que é da minha única responsabilidade) e publico-os, no final, no seguimento do texto.


Geração à Rasca - A Nossa Culpa


Um dia, isto tinha de acontecer.
Existe uma geração à rasca? 
Existe mais do que uma! Certamente! 
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. 
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.


Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.


Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.


Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem  Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde  uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.


São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!


A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.


Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional. 
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a  informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere. 
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.


Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração? 
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem  são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.


E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!


Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.
Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam. Haverá mais triste prova do nosso falhanço?
Pode ser que tudo isto não passe de alarmismo, de um exagero meu, de uma generalização injusta. 
Pode ser que nada/ninguém seja assim.


Comentários:



Manuel Rocha disse...

Assobio Rebelde: Geração à Rasca - A Nossa Culpa: Comentário de quem, de repente, viu a luz: Bem me parecia que a culpa não é da má aplicação dos fundos comunitários, nem da entrada de dinheiro aos montes ao mesmo tempo que o PS e o PSD (aCDSzado, às vezes) iam liquidando a agricultura e a indústria. Nem se procure, sequer, culpa nas políticas que mataram a indústria naval, a metalomecânica e a têxtil e investiram tudo em 11 estádios de futebol e prédios por todo o lado. Culpados os boys do PS e do PSD que enxamearam o aparelho de Estado e as empresas públicas de primos e filhos e conhecidos ao longo de 30 anos? Nem pensar! Nem são culpados os banqueiros que colocaram nos governos e na administração pública os Dias Loureiros e os Armandos Varas e as Celestes Cardonas (PSD, PS e CDS sempre!) para que mais tarde fossem colher nos bancos os frutos cujas sementes roubaram ao Estado e adubaram de Leis e Portarias e Despachos. Os mesmos banqueiros que ofereceram ao povo pobre de cabeça, de um país salazarento e marcelento, créditos fantásticos para que os Belmiros e os Amorins e os Jerónimos Martins pudessem vender chocolates e máquinas de lavar e televisões panorâmicas que nos entram todos os dias pelos olhos em horas de anúncios televisivos. Mas a culpa de tudo não é deles. É nossa, diz este pândego! Nossa, e não do poder financeiro internacional que pega nas nossas poupanças e as joga nas Bolsas mundiais, que são os casinos dos muito ricos, e depois no-las devolvem carregadas de juros nas casas que compramos, nós que vivemos sempre "acima das nossas possibilidades" mas que pagamos até ao último tostão cada cêntimo que os governos enterram nos BPNs, na obras encomendadas às Mota-Engis dos Coelhones que foram convenientes ministros das obras públicas, e nas Lusopontes dos Ferreiras dos Amarais que foram ministros convenientes das obras públicas. Dinheiro nosso com que pagamos os chorudos salários dos Mexias, dos Pintos, dos Penedos e de todos os serviçais do PS, do PSD e do CDS que vivem com o dinheiro que nos faz viver no limite das nossas possibilidades e, até morrer, pagando a casa que comprámos com o nosso dinheiro e com o dinheiro que os nossos pais economizaram. Trabalhando. Bem me parecia que a culpa não é do Soares, nem do Cavaco, nem do Sampaio, nem do Barroso. Mais! A culpa é, em último caso, de quem quer ter um emprego com direitos, um sítio para morar, comida para dar aos filhos, educação sem ter de comprar explicações, férias uma vez por ano. Eu não tenho culpa nenhuma, ouviram? E acuso pela minha “à rasquice” os desgovernantes do PS, do PSD e do CDS! A CULPA é deles e daqueles que, tudo perdendo com o seu gesto inconsciente, neles votaram para nossa infelicidade.


13 MARÇO, 2011 23:25



Carlos Neves disse...


Isto de estar à rasca é tudo e nada. Todas as gerações sabem isso.


A grande manifestação do dia 12 foi a indignação da atual situação da precariedade. Muitos outros descontentamentos se aliaram ao descontentamento geral, desde sempre esses descontentamentos saíram à rua ou mordiam os lábios.


A manifestação do dia 12 foi muito mais que a precariedade, os descontentamentos de braço dado foram muitos mas pouco se avançou com ideias.


Substituir ou acabar com os recibos verdes resolveria a situação???


Até o Le Pen ou a sua filha poderiam faze-lo, e então???


A ordem económica seria a mesma. Os mercados continuavam a mandar na política, tudo continuava na mesma.


Este descontentamento pode ser capitalizado para outros movimentos mais objetivos. 


Falta ideologia, um rumo e isso deve ser o passo seguinte.


Carlos Neves


14 MARÇO, 2011 18:58



Cati disse...


Há já algum tempo que em Portugal se tratam os direitos como sendo privilégios...ora foi exactamente para que os direitos não fossem privilégio só de alguns que se fizeram várias revoluções na nossa história!...O autor deste artigo fala duma geração mimada e privilegiada, que é verdade também existe! ... mas os jovens (e os outros não tão jovens assim!)trabalhadores "precários" que saíram à rua na manifestação de dia 12 não me pareceram daqueles que querem um telemóvel de última geração!! A reivindicação era pelo cumprimento dos direitos laborais que são continuamente violados em Portugal! ...e com o patrocínio/exemplo do estado português!


15 MARÇO, 2011 23:33



HugoRosado disse...


Sr assobio, és capaz de ter razão, vou já dar uma tareia na minha mãe, pois pelos vistos a culpa de eu trabalhar 6 anos com FALSOS recibos verdes deve ser dela ... 


16 MARÇO, 2011 15:52

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